Terra de cego, a presença do outro precisa ser repensada
Peça com direção de André Meirelles chamou a atenção de quem passava no calçadão
Uma língua incompreensível cativou a atenção quem passava pela Boca Maldita, na rua XV de novembro, na noite de quinta-feira (7). Tratava-se da peça “Terra de Cego”, uma das atrações do Festival de Curitiba. No enredo, os moradores de um lugar isolado e de hábitos primitivos são privados da visão desde o nascimento. Envolvente do início ao fim, a apresentação encantou por ser uma celebração ritualística. Cantos místicos, gritos, modos genuínos de andar, comer e dormir marcam a experiência de vida daquele povo.
A interpretação foi feita pelos integrantes do Modulado de Pesquisa Teatral (MPT), grupo vinculado ao Colégio Estadual do Paraná (CEP). Para André Meirelles, professor de Arte no CEP, coordenador do MPT e diretor da peça, “Terra de Cego” apresenta vários discursos presentes na história humana, como a xenofobia, o poder da linguagem e a dualidade entre belo e feio. Contudo, destaca ele, o mais relevante transcende a peça: é reconhecer a importância da escola pública para aqueles jovens atores, cuja vida é transformada através da arte.
A história retrata o encontro da comunidade com um náufrago de nome Nunes, mas identificado pelos nativos como “Bogotá”, uma das primeiras palavras ditas por ele ao tentar explicar sua origem. Bogotá não demora a perceber que está perdido num local onde os indivíduos não falam sua língua e não enxergam absolutamente nada.
Após a morte da liderança local, o novo habitante usa de sua condição, a de quem tudo vê, para tirar vantagens e assumir o controle do grupo. Ele, no entanto, não contava com a união dos habitantes do lugar, que ao sentirem sua perversa intenção, conseguem o dominar e o tornam prisioneiro. Após experienciar um processo de conversão, momento em que começa a ajudar os nativos em suas tarefas cotidianas, ele se envolve de modo mais íntimo com Medina, uma jovem designada a acompanhar o estrangeiro. O náufrago foge repentinamente, deixando para trás a grande oportunidade que a vida lhe ofereceu: reconectar-se com suas origens mais autênticas como ser humano.
O texto expoē que o homem “civilizado” se revela como alguém incapaz de reconhecer o diferente e as diferenças. O desejo de domínio e poder se sobrepõe, impondo arbitrariedades àqueles que julga inferiores. Bogotá é, na verdade, uma tipologia. Representa o homem que ainda hoje insiste em se colocar acima da natureza, dos povos, das culturas e suas manifestações, e depois abandona o que fez para começar tudo novamente, em um ciclo de destruição sem fim.
A reportagem faz parte do projeto especial para o site bandnewsfm feita em parceria com estudantes do curso de Jornalismo da Universidade Positivo. O texto é de Jonas Faccin.